segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A vida com instruções

Num mundo cada vez mais complexo, em que os desafios no convívio social, familiar e profissional aumentam em progressão geométrica, adotar regras se tornou uma questão de sobrevivência. Mas é preciso saber escolher as que funcionam.


A vida é um jogo, rapaz. E ele deve ser jogado de acordo com as regras.

As regras são produzidas em linhas de montagem e viraram mercadorias cada vez mais valorizadas. Jamais houve tanta gente vendendo e comprando ensinamentos sobre como se comportar no trabalho, conquistar o parceiro ideal, ficar mais bonito, melhorar o casamento, educar os filhos, falar bem em público, ganhar mais dinheiro... A lista é interminável.

A busca incessante por regras resulta da necessidade de organizar a vida num mundo cada vez mais complexo em todos os aspectos. Os desafios no convívio social, familiar e profissional aumentaram em proporção geométrica. Os casamentos tradicionais perderam terreno, enquanto famílias formadas por filhos de várias uniões se tornaram mais comuns. Como educá-los na nova ordem familiar? Como devem ser as relações entre os descasados e destes com os novos companheiros de seus ex? Mais gente ainda escolhe viver sozinha, o que acarreta uma mudança na forma de ver e ser visto pela sociedade. No trabalho, os funcionários de perfil tradicional, especializados em sua função, deram lugar à exigência de que todos na empresa tenham habilidades múltiplas. Além do mais, a pressão da sociedade para obter sucesso na vida profissional a todo custo é tremenda.


As religiões em seu aspecto comunitário nada mais são do que criadoras e garantidoras do cumprimento de regras sob pena da punição divina. Os Dez Mandamentos, base do judaísmo e do cristianismo, são um exemplo notável disso. As regras menores desciam a detalhes quase inimagináveis, como a proibição de usar uma vestimenta feita com dois materiais diferentes, conforme prescreve o Velho Testamento.


É impossível imaginar, portanto, o avanço da civilização humana sem o estabelecimento de regras. Elas nos trouxeram até aqui. Paradoxalmente, a quebra de regras também propiciou grandes saltos evolutivos.

Mas, mesmo quando elas são quebradas, precisam ser substituídas por outras. Isso porque as regras garantem não só a ordem e a proporção como a transmissão de conhecimento.


A busca pelas regras prontas sufoca a espontaneidade, a capacidade humana de encontrar respostas novas para novas perguntas. Os manuais com regras para relacionamentos amorosos e educação infantil, por exemplo, desprezam o fato de que nem todos os pais e filhos são iguais. Cada um tem uma história e uma personalidade diferentes.

Regras rígidas levam ao aprisionamento do físico e da alma. Elas são essenciais, porém, para a criação de uma base comum de entendimento da realidade. Elas ajudam a valorizar e a medir os eventos naturais e humanos, dando-lhes uma gradação. O que separa o acrobata de circo do ginasta olímpico? Ora, as regras. Um acrobata pode encantar, mesmerizar, tirar o fôlego da platéia. Outro acrobata entra no picadeiro e desperta as mesmas emoções. Quem é o melhor? Ninguém sabe. Talvez a intensidade dos aplausos seja um indicador de quem mais agradou, mas a questão de quem é o melhor permanece em aberto.


Nos mais recônditos domínios da vida humana, as regras e as notas estão substituindo o que antes era apenas uma avaliação mais livre das coisas. O que era apenas graça e ousadia está se tornando cada vez mais treino e segurança. Isso é ruim? Isso é bom? Nem um nem outro. É inevitável.



O desafio que se coloca ao bom senso de cada um é justamente definir quando as regras estão deixando de ser balizamentos saudáveis para se tornar uma prisão. Isso vale para os relacionamentos, para as dietas de emagrecimento e para a política de uso dos computadores pelas crianças da casa.

O jogo da invenção
O mundo se move por meio daqueles que criam as regras e dos que as transgridem.
Os exemplos mais claros desse movimento pendular estão no mundo das artes

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