terça-feira, 12 de agosto de 2008

Repartição Constitucional de Competências no Estado Federal Brasileiro

2.5 - COMPETÊNCIA COMUM E CONCORRENTE:
A competência comum, cumulativa ou paralela é modelo típico de repartição de competências do moderno federalismo cooperativo, nela distribuem-se competências administrativas a todos os entes federativos para que a exerçam sem preponderância de um ente sobre o outro, ou seja, sem hierarquia.

Em nosso ordenamento jurídico-constitucional sua delimitação foi estabelecida no art. 23 da Constituição Federal, onde se apresentam as atividades administrativas que podem ser exercidas de modo paralelo entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, onde todos os entes federativos atuam em igualdade, sem nenhuma prioridade de um sobre o outro.

Deste modo, a atuação de um ente federativo não depende da atuação de outro, e, da mesma forma, a atuação de um ente federativo não afasta a possibilidade de atuação de outro. A competência comum, ou paralela, se expressa na possibilidade da pratica de atos administrativos pelas entidades federativas, onde esta pratica pode ser realizada por quaisquer delas, em perfeita igualdade, de forma cumulativa (CF, art. 23).
Portanto, com o objetivo de fomentar o cooperativismo estatal, dispôs o Legislador Constituinte que, no âmbito da competência comum, lei complementar deverá fixar normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (CF, art. 23, parágrafo único).
Importante é assinalar que a competência comum não se refere a atividades legislativas, sob pena de os entes da federação legislarem diferentemente sobre o mesmo assunto, com a possibilidade de imperar o caos social. Imaginemos, a título de exemplo, se fosse estabelecida a competência comum para legislar sobre direito ambiental. A união, no citado exemplo, criou regra proibitória de desmatamento na região centro oeste que corresponde a vinte por cento da região de cerrado; o Estado do Mato Grosso, de maneira diferente, legislou estabelecendo a possibilidade de desmatamento de noventa por cento da propriedade rural; e o Município de Cuiabá, ao regulamentar a matéria, estabeleceu a possibilidade de desmatamento de toda a propriedade rural. A pergunta que permeia o exemplo é: Qual das normas deverá ser cumprida pela sociedade? Assim, em decorrência desta complexa questão, não se estabeleceu competência comum em relação à edição de atos normativos gerais.

A competência concorrente é típico caso de repartição vertical de competência em nosso país. Ela se expressa na possibilidade de que sobre uma mesma matéria diferentes entes políticos atuem de maneira a legislar sobre determinada matéria, adotando-se, em nosso caso, a predominância da União, que irá legislar normas gerais (CF, art. 24, § 1º) e aos Estados estabelece-se a possibilidade, em virtude do poder suplementar, de legislar sobre assuntos referentes aos seus interesses locais (CF, art. 24, § 2º), onde suplementar tem alcance semântico de pormenorização, detalhamento, minudenciamento.
Neste sentido, ensina o Ministro Celso de Mello que “A Constituição da República, nas hipóteses de competência concorrente (CF, art. 24) estabeleceu verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal, os Estados-membros e o Distrito Federal, daí resultando clara repartição vertical de competências normativas entre as pessoas estatais, cabendo, à União, estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º), e, aos Estados-membros e ao Distrito Federal, exercer competência suplementar (CF, art. 24, § 2º,),(...) deferiu ao Estado-membro e ao Distrito Federal, em inexistindo lei federal sobre normas gerais, a possibilidade de exercer a competência legislativa plena, desde que para atender as suas peculiaridades (CF, art. 24, § 3º).(1)
Questionamento importante e deveras discutido vem a ser a conceituação de normas gerais. O Ministro Carlos Velloso do Supremo Tribunal Federal, em voto proferido em ação direta de inconstitucionalidade, ressalta que “Ora, se a lei, em sentido material, é norma geral como seria a de lei de ‘normas gerais’ referida na Constituição” (2).
Uadi Lammego assenta que “normas gerais são as que contêm declarações principiológicas, dirigidas aos legisladores, condicionando-lhes a ação legiferante. Recebem a adjetivação de “gerais”, porque possuem um alcance maior, uma generalidade e abstração destacadas, se comparadas àquelas de normatividade de índole local. Conseqüência disso, elas não se prestam a detalhar minúcias, filigranas ou pormenores. As matérias que lhes são afeitas não podem ser legisladas por outros entes federativos, exceto nos casos expressos de suplementação” (3).
Segundo Alexandre de Moraes, Essa orientação, derivada da Constituição de Weimar (art. 10), consiste em permitir ao Governo Federal a fixação de normas gerais (diretrizes fundamentais), sem descer a pormenores, cabendo aos Estados-membros a adequação da legislação às peculiaridades locais.
Entretanto, quando não existir a norma geral da União, poderão os Estados exercer a competência plena ou supletiva (CF, art. 24, § 3º), sendo certo que a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspenderá a eficácia da norma estadual, naquilo que lhe for contrario (CF, art. 24, § 4º).
Exercer a competência plena ou supletiva significa que os Estados e o Distrito Federal, na ausência de normas gerais editadas pela União, poderão editar as aludidas normas gerais para atender às suas peculiaridades, as quais terão aplicação apenas em seu próprio âmbito territorial. Portanto, disciplinarão matérias de competência concorrente, editando as normas gerais inexistentes.
Insta salientar que o Legislador Constituinte Originário estabeleceu de forma transparente e lúcida que a ocorrência de a União ter sido omissa em elaborar normas gerais não significa que ela tenha perdido sua competência para a futura edição de tais normas. Assim, a União poderá abandonar sua inércia exercendo a sua prerrogativa constitucional para a edição de normas gerais. Portanto, se a União editar supervenientemente a lei federal de normas gerais, esta prevalecerá sobre a lei estadual, suspendendo a eficácia desta, no que lhe for contrário.
Essa suspensão de eficácia terá efeitos não retroativos, isto é, ex nunc e perdurará enquanto estiver em vigor a lei federal de normas gerais da União. Se futuramente a União revogar sua lei federal de normas gerais, os dispositivos da lei estadual readquirirão automaticamente sua eficácia, voltando a regular a matéria.

Certo é que não há revogação e sim suspensão dos efeitos da legislação estadual no que for contrário à legislação federal. Se houvesse revogação, os dispositivos da lei estadual seriam retirados do ordenamento jurídico de forma irreversível, e, se eventualmente a lei federal de normas gerais fosse revogada, não haveria a repristinação tácita dos dispositivos da lei estadual, pois os mesmos já não mais integrariam o universo jurídico.

Neste ínterim, merece atenção à observação apontada pelo jurista Ives Gandra da Silva Martins, “alguns autores vislumbram, no art. 24, § 3º, o direito de os Estados e do Distrito Federal legislarem sobre quaisquer tipos de normas gerais que caberia ao Parlamento Nacional produzir, seja pelo veículo menor da lei ordinária, seja pelo veículo maior da lei complementar (...) Entendo que estes autores, apesar de seu brilho, não tem razão. Em minha especial maneira de ver a fenomenologia da lei complementar, considere-a lei da Federação, e não da União, sempre que cuidando de normas gerais. Por conseqüência, para mim, o § 3º cuidou apenas daquelas normas gerais veiculáveis por lei ordinária, porque apenas esta é lei federal. A outra (complementar), sendo lei da Federação, não é lei federal. É este o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal. (ver art. 155. § 1, III)”.
Por fim, embora não seja estendida aos Municípios a competência legislativa concorrente, conforme se observa da redação do art. 24 da Constituição Federal, foi-lhes possibilitado suplementar a legislação federal e estadual no que couber.
Jair Eduardo Santana, em estudo sobre as competências legislativas municipais afirma a existência de competência concorrente do ente local, aduzindo que “afirmamos haver no âmbito municipal as competências ditas concorrentes, mesmo a despeito de não constar o Município no rol do artigo 24 da Constituição Federal, porque o próprio artigo 30, inciso II, dá a exata magnitude desse campo a ser explorado pelo referido ente. De fato, ´cabe ao município, suplementar a legislação federal e a estadual,o que couber’ (...) Releve-se, mais uma vez, que o simples fato de ter sido o Município excluído do artigo 24 não é fator conclusivo de que não tenha ele competência concorrente. Desmente quem assim o afirma o próprio teor do artigo 30, II, da Constituição Federal. Colocado nosso entendimento com relação ao tema e, concluindo que se trata de modalidade de competência legislativa concorrente primária (porquanto prevista diretamente da Constituição Federal), não podemos comungar, por incompatível, com o pensamento que professa Manoel Gonçalves Ferreira Filho ao afirmar que o artigo citado apenas autoriza o Município a regulamentar normas federais ou estaduais” (4).


2.6 MODELO HORIZONTAL E VERTICAL DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS:
A doutrina constitucional costuma mencionar como mecanismos de divisão de competências o modelo horizontal e o modelo vertical. No primeiro caso, cada ente federativo recebe da Constituição um rol exaustivo de competências. Nesta técnica, onde se estabelece uma repartição rígida e delimitada de competências, ocorre o fortalecimento da autonomia dos entes federativos, haja vista a ausência de superposição do ente mais abrangente.

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o modelo de repartição constitucional de competências consiste em “separar, radicalmente, a competência dos entes federativos, por meio da atribuição a cada um deles de uma 'área' própria, consistente em toda uma matéria (do geral ao particular ou específico), a ele privativa, a ele reservada, com exclusão absoluta da participação, no seu exercício, por parte de outro ente” (5).

É importante assinalar que no tocante à repartição de competências tributárias, na federação brasileira, houve a adoção do modelo horizontal, onde cada ente federativo dispõe de um espaço de atuação rigidamente demarcado.

Nota-se, então, que a repartição horizontal, prevista no ordenamento constitucional brasileiro, estabelece-se, principalmente, através das competências enumeradas à União (CF, art. 21 e 22), as reservadas ou remanescentes dos Estados-Membros (CF, art. 25, § 2º), as indicadas de interesse local aos Municípios (CF, art. 30, I), e ao Distrito Federal, ao qual, como já dito, foram estabelecidas as competências legislativas Estaduais e as Municipais (CF, art. 32, § 2º).
Já no modelo vertical de repartição, diferentes entes federados atuarão sobre as mesmas matérias, de forma a estabelecer um verdadeiro condomínio Legislativo, conforme as palavras de Raul Machado Horta (6). Para o autor, “as Constituições Federais passaram a explorar, com maior amplitude, a repartição vertical de competências, que realiza a distribuição de idêntica matéria legislativa entre a União Federal e os Estados-membros, estabelecendo verdadeiro condomínio legislativo, consoante regras constitucionais de convivência. A repartição vertical de competências conduziu à técnica da legislação federal fundamental, de normas gerais e de diretrizes essenciais, que recai sobre determinada matéria legislativa de eleição do constituinte federal. A legislação federal é reveladora das linhas essenciais, enquanto a legislação local buscará preencher o claro que lhe ficou, afeiçoando a matéria revelada na legislação de normas gerais às peculiaridades e às exigências estaduais.”

Na Carta Política de 1988, no art. 24, realizou-se verdadeiro modelo de repartição vertical de competências, onde se estabeleceu a competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Cumpre verificar que se constituiu a possibilidade de vários entes atuarem legislativamente sobre a mesma matéria. Deste modo, para não haver conflitos positivos legislativos, instaurando um caos normativo, foi criada regra de divisão de tarefas legislativas. Por isso, os parágrafos do art. 24 prescrevem como será a atuação legislativa de cada um desses entes federados, onde, conforme já relatado, competirá à União expedir normas gerais e, aos Estados e ao Distrito Federal, suplementar as normas gerais da União.

Insta salientar, ainda, que a nossa Constituição Federal não adotou com rigidez nenhum dos dois sistemas, vertical ou horizontal, de repartição de competências, na verdade, houve a adoção de um modelo misto, a saber, houve a adoção do modelo horizontal ,onde cada ente federado autônomo recebe uma competência específica, sem relação de hierarquia entre eles, como são exemplos os arts. 21, 22, 25 e 30 da Constituição Federal, mas também se mesclou o sistema vertical de repartição de competências, modelo que estabelece que uma mesma matéria possa ser estabelecida a atuação de diferentes entes políticos, de maneira verticalizada, como é o caso da competência legislativa concorrente estabelecida no art., 24 da Constituição Federal.


2.7 - COMPETÊNCIA DO DISTRITO FEDERAL:
Conforme previsto no art. 32, § 1º da Lei Fundamental brasileira, “Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios”. José Afonso da Silva nos ensina que “isso quer dizer que ele dispõe de uma área de competências remanescentes correspondente aos Estados, segundo o art. 25,§ 1º, assim também lhe cabe explorar diretamente, ou mediante concessão a empresas distritais, com exclusividade de distribuição, os serviços locais de gás canalizado (art. 25,§ 2º). Competem-lhe as matérias relacionadas no art. 30, como de competência municipal, assim como instituir os tributos dos arts. 145, 155 e 156, e participar das receitas referidas nos arts. 157, 159, I, a e c (pois, pertence ao Centro-Oeste), e II. Mas está vedado a ele dividir-se em Municípios (art. 32)” (7).
Entretanto, necessário é ressaltar que nem todas as competências atribuídas aos Estados foram estendidas ao Distrito Federal. Assim, a competência para legislar sobre a organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública no Distrito Federal foi distribuída à União (CF, art. 22, XVII), da mesma forma a competência para organizar e manter a policia civil, a policia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal não pertence ao Distrito Federal e sim à União (CF, art. 21, XIV).
(1) STF, Medida Cautelar em ADI 2.667/DF, rel. Min. Celso de Mello.
(2) STF, Medida Cautelar em ADI 927-3/RS.
(3) BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 6. ed. Ver.,atual. E ampl. até a Emenda Constitucional n. 45/2004. – São Paulo: Saraiva, 2005. p. 574
(4) SANTANA, Jair Eduardo. Competências Legislativas Municipais. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 89.
(5) FEREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 1990, p. 155
(6) HORTA, Raul Machado. Estudos de direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 366
(7) SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 13ª ed., São Paulo: Malheiros,

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