sábado, 8 de novembro de 2008

Direito Tributário Constitucional - Paulo de Barros Carvalho


Paulo de Barros Carvalho
Advogado; Mestre; Doutor

Entrevista
Direito Tributário Constitucional
Carta Forense
- De modo geral qual sua opinião sobre a aplicação da constitutição aniversariante nestes 20 anos?




Paulo de Barros Carvalho - A experiência jurídica é construída pela aplicação contínua e ininterrupta dos preceitos do direito positivo. Trata-se do chamado "processo de positivação", que vai desde o Texto Supremo até as normas terminais do sistema, com a juridicização das condutas intersubjetivas, efetivamente consideradas. Nesse sentido, e consoante meu modo de interpretar e de compreender a Constituição brasileira, que cumpre agora seus 20 (vinte) anos de existência, passou por momentos positivos, mas ofereceu também instantes de preocupação e de perplexidade para todos aqueles que alimentam expectativas de segurança jurídica e de justiça na vida das instituições.




CF - Como o senhor avalia a aplicação simbiótica do CTN com a CF/88?
PBC - A Constituição da República foi editada em outubro de 1988 e, portanto, 22 (vinte e dois) anos depois do advento do Código Tributário Nacional. O novo Estado brasileiro, instalado com a Lei Superior, absorveu as disposições do CTN que com ela não eram incompatíveis. Daí avante, nesse intervalo de tempo, ocorreram acomodações imprescindíveis à harmonia do sistema, de tal modo que pode dizer-se que boa parte da Lei n. 5.172/66 continua sendo aplicada e o Código segue cumprindo papel importante na disciplina das questões tributárias.

CF - Qual o impacto do Código de Defesa do Contribuinte dentro do sistema constitucional posto?
PBC - O Código de Defesa do Contribuinte, como reunião articulada dos preceitos constitucionais e infraconstitucionais que dizem respeito aos direitos e garantias do sujeito passivo das relações tributárias. Sua inserção no sistema não traz novidades significativas. Expressa, tão somente, aquilo que já existe e deve ser aplicado segundo os comandos da Constituição brasileira. Revela, antes de tudo, um esforço de reunião, harmonização e síntese das prerrogativas do contribuinte em face das potencialidades competenciais do Estado-Administração.

CF - A voracidade do fisco junto à tecnologia que temos hoje proporcionou ferramentas pára investigação, muitas vezes colidindo com direitos e garantias fundamentais previstas na lei maior. Como o senhor vê este fenômeno?
PBC - De fato, os avanços tecnológicos vêm proporcionando às entidades tributantes instrumentos mais objetivos de realização de seus direitos à percepção dos tributos. Vivemos numa sociedade que, por ser pós-moderna, caracteriza-se pela hipercomplexidade das relações. Surgem, a cada passo, mecanismos novos de pressão, perante os quais o contribuinte tem de reagir, energicamente, invocando suas prerrogativas constitucionais, para a defesa de seus direitos. Sempre que houver excesso no quadro das iniciativas empregadas pelo Fisco, caberá a demonstração dos abusos para que os tribunais possam reconhecê-los e evitá-los. É preciso notar, porém, que a relação é bilateral, pois o Ente Tributante tem seus direitos e acontecem também excessos e abusos por parte do contribuinte. A questão não é tão simples como pode parecer no exame do primeiro instante.


CF - Como o senhor avalia a transação tributária?
PBC - Até o presente momento da vida jurídica nacional praticamente inexiste a possibilidade de transação no âmbito das relações tributárias. Sabemos, contudo, que estudos têm sido feitos para a introdução do instituto em nosso direito positivo. Prefiro aguardar o advento das proposições normativas que, para alguns, estão iminentes, para depois, em cima dos preceitos positivados, emitir os juízos de valor que o novel texto venha a estabelecer.

CF - Qual a situação da nossa legislação tributária frente ao crescente comércio internacional que o Brasil está se inserindo com tanta força?
PBC - Com a globalização, que representa, antes de mais nada, a aproximação dos povos pelo estreitamento da comunicações, o Brasil vem tomando iniciativas decididas de inserção na dinâmica do comércio internacional. Diante dessa perspectiva, a legislação tributária mostra-se insuficiente para prever a multiplicidade de situações novas que o contexto certamente exigirá. Não tenho dúvida, todavia, que as autoridades competentes saberão fazer as adaptações necessárias e imaginar as novas providências que o setor exigir. O Brasil tem sabido enfrentar, com grande presteza, situações desse teor.

CF - E em relação aos investimentos?
PBC - Da mesma forma. As autoridades constituídas estão atentas ao tema dos investimentos que, aliás, muito lhe interessam. Nutro a convicção de que o Brasil dará respostas rápidas e eficientes aos problemas que surgirem nos horizontes desse setor.

CF - O senhor acredita que o Direito Tributário está reatando laços com o Direito Ecônomico?
PBC - O Direito Tributário jamais se afastou do Direito Financeiro, Administrativo e Econômico. Em função da unidade constitutiva do jurídico, não há como conceber, mesmo que por alguns instantes, um Direito Tributário divorciado do Direito Econômico. Não há, portanto, reatamento de relações e sim continuidade inevitável nos vínculos estreitos que unem esses dois campos do conhecimento do Direito Público.

CF - Como, dentro dos limites consitucionais, o Estado vem lidando a guerra fiscal?
PBC - Há instrumentos jurídico-constitucionais que podem conter a "guerra fiscal" dentro de limites admissíveis. É preciso, porém, utilizá-los incisivamente. Parece-me que tem faltado vontade política de empregá-los. Um entrosamento bem articulado entre os Poderes da República poderá, perfeitamente, equacionar em termos efetivos esse tema que vem servindo de pretexto para discursos jurídicos e políticos às vezes exagerados.
CF - Na sua opinião, como os juízes estão interpretando a constituição na aplicação concreta do direito tributário?
PBC - A resposta é difícil. A heterogeneidade das decisões judiciais é algo insofismável. Há decisões de todos os tipos e que podem ser avaliadas por ângulos diversos. A verdade é que a Constituição brasileira vem sendo aplicada reiteradamente, formando, com isso, a já preciosa "experiência jurídica nacional". Na amplitude de suas manifestações, encontraremos decisórios que suscitam as mais diversas qualificações.

CF - Esta mesma opinião o senhor estende ao STF?
PBC - Perfeitamente. O Supremo Tribunal Federal, nas elevadas funções que cumpre, vem enfrentando os tormentosos temas que a ele são submetidos. Seus acórdãos agradam a uns e desagradam a outros. Todavia, como órgão da mais alta hierarquia no Direito brasileiro, suas decisões hão de ser respeitadas como a aplicação mais apurada de nossas instituições.

CF - Quais são suas expectativas em relação à reforma tributária?
PBC - Não tenho expectativas em relação à Reforma Tributária. Levando em conta a complexidade do Estado brasileiro e as dificuldades de mexer num sistema plantado numa Constituição rígida e que tratou abundantemente da matéria tributária, como sempre insistiu Geraldo Ataliba, as modificações estruturais são sumamente difíceis. E é precisamente isso que a experiência das iniciativas vem demonstrando. O projeto apresentado pelo Governo Federal já conta com mais de 400 (quatrocentas) emendas, muitas das quais substitutivas. Além do mais, a União não demonstra ter o menor interesse em reformar o sistema. Sua arrecadação sobe vertiginosamente, a cada período de apuração, ultrapassando as mais otimistas expectativas. Julgo que seria de melhor alvitre que as pessoas políticas de direito constitucional interno, vale dizer, União, Estados, Distrito Federal e Municípios deveriam promover, cada qual no âmbito das respectivas competências, um esforço de racionalização de suas legislações tributárias. A providência, menos pretensiosa que a grande reforma do sistema, como um todo, já ajudaria muito, tanto aos contribuintes quanto aos funcionários do Fisco. A Reforma de que se fala, com tanta insistência, cairá em solo estéril, como as que a antecederam.

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